Mente poética
"Dizem que uma das coisas mais difíceis na vida é descrever a angústia..."

15 de março de 2016
A menina de três letras
Quando a dor te corroer por dentro
Insistir em te ferir
Baioneta insensível
Rainha cruel de nós, aflitos
Surpreenda-a
Não a negue
Acolha-a
Recoste-a na cama
Bem ao seu lado
Lhe cante uma canção de ninar
Acaricia-a
Ela adormecerá.
Não estranhe
Se o incômodo não se extinguir do seu peito
Não se iluda
Ela não se foi
Só está entorpecida
Ingrata
Fingida
A dor é bandida!
Esteja pronta
Em alerta para o seu despertar
A louca pode injuriar-se e investir destemida
Cruel
Vingativa
Te apunhalará pelas costas
Agressiva!
Continue surpreendendo-a
Diga-lhe que ela é bem vinda
Que você está pronta a recebê-la de frente
Essa cega doente
Mas, se imponha
Faça-a entender
Que ela, também tem que ceder
Explique que ela estará contigo eternamente hospedada.
Mas, prepare-a
Com o tempo ela será enfraquecida
E essa inversão
Pode deixá-la
Ofendida.
A dor é invejosa
E se sente traída
Na ameaça de ser abandonada
Ultrajada
Lutará pra não ser boicotada.
Mantenha-se forte
Determinada
Porque ela é poderosa e traiçoeira
Fará de tudo pra manter sua ferida aberta
A danada é esperta!
Não desista
Porque aos poucos ela se entrega
Debilitada
Abatida
Definha-se
E percebe que uma maior tentativa
É um ato ingênuo
E experimenta do próprio veneno
Nesse caso ela não é mais soberana
Insana
Perde ainda mais o juízo
Com o poder esvaindo de sua mão
E quando vê que sua irmã entrou em ação
Ah, ai ela perde a razão!
Essa irmã chega sorrateira
E também é capaz de te deixar
Sem eira e nem beira
Mas, é uma irmã mais generosa
Aceita em andar de mãos dadas com a dor
Essa irmã, traz ao nosso coração o furor
O furor de boas lembranças
De termos ainda esperança.
Essa que está agora em foco
É filha do tempo
Porque traz no pensamento
A memória do momento
Chamamos ela de Saudade!
Ah, a saudade!
A saudade é irmã da dor
Mantém longínqua essa irmã que nos faz sofrida
E tem o poder de nos fazer sorrir
E retribuir tudo que o tempo deixa fluir
Nos alimenta a alma com suas cantigas outrora vividas
Nos traz de volta amores e humores.
Que bom que existes
Mesmo ancorada
No mar da nostalgia e da melancolia
Usufruirei mais fortemente da sua alegria
Sim, a saudade também é irmã da alegria
E é ela que nos traz a euforia
Que mesmo distante nos contagia.
Saudade!
Serás de mim
Imperatriz
Entenderei que suas irmãs
Estarão ao seu lado me habitando
Ora me corroendo
Ora me fortalecendo
E em qualquer outro instante
A menina de três letras voltará
Triunfante
E seremos de novo amantes!
É um círculo vicioso
Infindável!
Venha, felina!
Te recebo querida
Porque assim é a vida
A dança constante
De sentimentos pulsantes
E nós humanos dançantes
Aprendamos a dançar
Conforme a música
Do bolero mais marcante
Ao rock in roll mais alucinante!
Graduada em Artes Cênicas pela UNI-RIO.
Atriz, poeta, fotógrafa e professora de teatro
da Rede Municipal da Cidade do Rio de Janeiro.
Dizem que uma das coisas mais difíceis na vida é descrever a angústia, porém mais complexo do que relatar, é lidar com ela. No final de 2015, passei pela única certeza que temos nessa existência, a morte do meu pai. Quem já vivenciou a perda de um ente querido sabe o quanto dói e como a dor parece literalmente te arranhar por dentro. Então descubro a palavra como excelente aliada e consoladora, só ela poderia me ajudar a dar conta do que senti naquele momento. E assim surge: "A Menina de três letras"